Alienação de Quinhão Hereditário Não Está Sujeita a IRS: Decisão Uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo Abre Caminho para Pedidos de Revisão - Mais valias partilha herança
- silviomoreira54
- 25 de jul.
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Introdução
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferiu, em 29 de abril de 2025, uma decisão uniformizadora de jurisprudência que representa um marco significativo na tributação sucessória em Portugal. O acórdão, proferido no processo n.º 033/24.1BALSB, estabeleceu definitivamente que a alienação de quinhão hereditário não configura "alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis" para efeitos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, pelo que não estão sujeitos a este imposto os eventuais ganhos resultantes dessa alienação.
Enquadramento Factual e Jurídico
Os Factos em Análise
O caso analisado pelo STA envolveu a seguinte situação factual:
1.º A requerente foi notificada pela Autoridade Tributária para corrigir a sua declaração de IRS de 2020, especificamente quanto ao valor declarado em sede de mais-valias;
2.º A requerente havia declarado a alienação de um imóvel, mas o que efetivamente transmitiu foi o quinhão hereditário do qual esse imóvel fazia parte;
3.º O quinhão hereditário respeitava a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de familiar, falecido em 1985;
4.º A transmissão foi formalizada por escritura pública outorgada em 18 de junho de 2020;
5.º A Autoridade Tributária procedeu à liquidação adicional de IRS no valor de €50.361,99.
2.º A Questão Jurídica Controvertida
A questão fundamental submetida à apreciação do STA consistiu em determinar se o ganho obtido com a alienação do quinhão hereditário referente a um bem imóvel, sendo a herança composta apenas por esse mesmo bem imóvel alienado e não existindo partilha anterior a essa alienação, constitui uma mais-valia sujeita a IRS nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.
Fundamentação Jurídica da Decisão
A Natureza Jurídica do Quinhão Hereditário
O STA fundamentou a sua decisão na consolidada doutrina e jurisprudência sobre a natureza jurídica do quinhão hereditário, estabelecendo os seguintes princípios:
Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo, e não de um direito individual sobre cada um dos bens que a integram;
Só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos (seja qual for a respetiva natureza) que por essa via lhe couberem;
3.3.º A alienação de quinhão hereditário transmite-se um direito abstratamente considerado e idealmente definido, como expressão patrimonial ainda incerta;
3.4.º O cessionário assume a posição do herdeiro cedente, a qual não corresponde nem se reconduz à de proprietário, pois não dispõe de direito pleno sobre qualquer bem imóvel.
Jurisprudência Consolidada
O STA apoiou-se em jurisprudência consolidada, nomeadamente:
Acórdão do STA de 25-11-2009 (Processo n.º 0975/09): "Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integram";
Acórdão do STA de 28-01-2015 (Processo n.º 0450/14): Reiterou que só com a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos sobre bens específicos;
Acórdão do STA de 15-06-2016 (Processo n.º 01863/13): Estabeleceu que os co-herdeiros "não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa";
Acórdão do STA de 12-02-2025 (Processo n.º 82/19): Confirmou que "não ocorreu qualquer alienação de bens imóveis, não se verificando a situação prevista na alínea a) do número 1 do artigo 10.º do Código do IRS".
Fundamentação Doutrinária
A decisão encontra sustentação na doutrina de referência:
Inocêncio Galvão Telles ("Direito das Sucessões, Noções Fundamentais", 6.ª Ed., Coimbra Editora, 1991): "herdeiro é o que sucede no 'universum ius' do falecido ou numa quota desse 'universum ius'";
Rabindranath Capelo de Sousa ("Lições de Direito das Sucessões", Vol. II, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 1997): "Pela alienação de quinhão hereditário indiviso transfere-se para o adquirente o direito de quinhão em causa".
Implicações Práticas da Decisão
Situações Abrangidas pela Decisão
A decisão uniformizadora do STA aplica-se a todas as situações em que:
Se verificou a alienação onerosa de quinhão hereditário antes da partilha da herança;
A herança incluía bens imóveis, seja como único bem ou conjuntamente com outros bens;
A Autoridade Tributária procedeu à tributação dos ganhos em sede de mais-valias (Categoria G) do IRS;
O facto tributário ocorreu independentemente da composição específica da herança.
Direito ao Pedido de Revisão
Face à decisão uniformizadora, os contribuintes que se encontrem em situações análogas têm direito a:
Apresentar pedido de revisão oficioso nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, quando o prazo de caducidade ainda não tiver decorrido;
Invocar erro de facto ou de direito na liquidação do imposto, fundamentando o pedido na jurisprudência uniformizada;
Requerer a restituição dos montantes indevidamente pagos, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios;
Contestar judicialmente as liquidações ainda não transitadas em julgado, invocando a decisão uniformizadora.
Procedimento Recomendado
Passos a Seguir
Os contribuintes afetados devem adotar o seguinte procedimento:
Identificar todas as liquidações de IRS relacionadas com a alienação de quinhões hereditários;
Verificar os prazos aplicáveis para cada tipo de procedimento (revisão, reclamação graciosa, impugnação judicial);
Reunir a documentação necessária, incluindo:
Escrituras de alienação de quinhão hereditário;
Liquidações de IRS contestadas;
Comprovativos de pagamento;
Certidões de herança e outros documentos sucessórios;
Fundamentar juridicamente o pedido na decisão uniformizadora do STA e na jurisprudência consolidada;
Quantificar o montante a restituir, incluindo capital e juros indemnizatórios.
Fundamentação Legal dos Pedidos
Os pedidos devem ser fundamentados em:
Artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS - norma de incidência que não abrange a alienação de quinhões hereditários;
Artigos 2030.º, 2050.º, 2091.º, 2119.º e 2124.º do Código Civil - regime jurídico das sucessões e da natureza do quinhão hereditário;
Acórdão uniformizador do STA de 29-04-2025 (Processo n.º 033/24.1BALSB) - jurisprudência vinculativa;
Princípio da tipicidade da lei fiscal - impossibilidade de tributação por analogia.
Conclusões
Principais Implicações
A decisão uniformizadora do STA representa:
Segurança jurídica para os contribuintes em matéria de tributação sucessória;
Clarificação definitiva sobre a natureza jurídica do quinhão hereditário para efeitos fiscais;
Oportunidade de correção de liquidações indevidas efetuadas pela Autoridade Tributária;
Precedente vinculativo para futuras situações análogas.
Recomendações Finais
Recomenda-se vivamente que:
Todos os contribuintes afetados procedam de imediato à avaliação das suas situações específicas;
Seja respeitada a cronologia dos prazos para cada tipo de procedimento disponível;
Se procure assessoria jurídica especializada para a correta fundamentação e apresentação dos pedidos;
Se mantenha registo atualizado de todos os procedimentos instaurados e respetivos desenvolvimentos.
Nota Legal: Este artigo tem caráter meramente informativo e não dispensa a consulta de assessoria jurídica especializada para a análise de situações concretas. A aplicação da jurisprudência deve sempre ter em conta as especificidades fácticas de cada caso.
Palavras-chave: Mais valias partilha herança, Quinhão hereditário, IRS, mais-valias, Supremo Tribunal Administrativo, revisão oficioso, sucessões, direito tributário português.
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